Conflito e dualidade em Freud: pulsões
e recalque; indivíduo e sociedade
Na obra de Freud, o conflito entre forças
antagônicas ocupa um lugar central. Conflitos psíquicos no seio do
indivíduo marcam a fundação da psicanálise, quando Freud se dá
conta que o jogo de forças entre pulsões, o seu recalque e o
retorno do reprimido estão na base do adoecimento neurótico. “A
teoria da repressão é a pedra angular sobre a qual repousa toda a
estrutura da psicanálise. É a parte mais essencial dela (...)”.
(FREUD, 1914, p. 10), dizia em 1914.
A dualidade e o conflito se expressam em
cada passo da construção teórica freudiana. Isso se verifica em
outro elemento da teoria psicanalítica no qual a dualidade é a
marca indelével: a teoria das pulsões. Divididas, a princípio,
entre pulsões sexuais e de autoconservação, reformuladas como
pulsões do eu e pulsões objetais, depois encontram nova
configuração na dualidade entre as pulsões de Eros e Thanatos, ou
pulsões libidinais – conjunto que passa a englobar os dois grupos
anteriormente opostos – e as pulsões de morte, que visam o retorno
ao estado inorgânico, e abrangem a destrutividade e agresssividade.
Essas dualidades se apresentam como
conflitos psíquicos, mas se encontram em sua origem intimamente
ligadas à relação do eu com o outro, ou seja, da inserção do
sujeito no tecido social. Freud explicita isso ao dizer que
A
oposição entre psicologia individual e psicologia social ou das
massas, que à primeira vista pode nos parecer muito significativa,
perde muito de sua nitidez ao ser examinada mais a fundo. É verdade
que a psicologia individual está orientada para o ser humano
singular e investiga os caminhos pelos quais ele busca alcançar a
satisfação de suas moções de impulso, só que ao fazê-lo, apenas
raramente, sob determinadas condições excepcionais, ela
desconsidera as relações desse indivíduo com outros. Na vida
psíquica do indivíduo, o outro entra em consideração de maneira
bem regular como modelo, objeto, ajudante e adversário, e, por isso,
desde o princípio, a psicologia individual também é ao mesmo tempo
psicologia social nesse sentido ampliado, porém inteiramente
legítimo”. (FREUD, 1921, p. 35)
Assim, é recorrente na obra de Freud a
constatação de que os conflitos psíquicos são fruto da expressão
internalizada dos conflitos entre o outro/sociedade e o indivíduo. O
conflito, na primeira dualidade pulsional, está ligado ao embate
entre o princípio do prazer, na realização das pulsões sexuais, e
o choque com a necessidade de sobrevivência, manifesta nas pulsões
de autoconservação e que expressam o princípio de realidade.
A repressão das pulsões como base da
vida social
Em 1908, Freud coloca grande ênfase no
conflito entre a moral social e possibilidade de realização das
pulsões sexuais, discutindo isso no texto “moral sexual civilizada
e doença nervosa moderna”. Ali, aparecem dois aspectos
fundamentais da visão de Freud sobre o tema: em primeiro lugar, de
que a repressão sexual é a base da civilização, pois é o
recalque daquelas pulsões que entram em conflito com a realidade
externa que permite o convívio de acordo com as regras coletivas e,
portanto, a vida “harmoniosa” em grandes grupos. Por outro lado,
Freud chama a atenção para a forma como os exageros dessa repressão
originam a neurose. A concepção de que as pulsões sofrem repressão
e recalcamento sob o peso da moral – que depois ganharia sua
representação psíquica no conceito do Super-eu – é desenvolvida
plenamente em “Totem e Tabu”, em 1913, texto que também coloca
como peça central dessa repressão a castração e o Complexo de
Édipo, defendidos por Freud como universais. Em 1920, em “Além do
princípio do prazer”, estende a teoria para abarcar as pulsões de
morte. Em 1930, com “O mal-estar na civilização”, Freud leva a
fundo os temas do conflito entre indivíduo e sociedade.
Nesse texto, Freud dá novamente grande
ênfase à repressão sexual, denunciando seus excessos:
A
escolha de objeto do indivíduo sexualmente maduro é reduzida ao
sexo oposto, a maioria das satisfações extragenitais é interditada
como perversão. A exigência, expressa em tais proibições, de uma
vida sexual uniforme para todos, ignora as desigualdades na
constituição sexual inata e adquirida dos seres humanos, priva um
número considerável deles do prazer sexual e se torna, assim, a
fonte de grave injustiça. (...) o que permanece isento de
proscrição, o amor genital heterossexual, é ainda prejudicado
pelas limitações da legitimidade e da monogamia. A civilização
atual dá a entender que só quer permitir relações sexuais
baseadas na união indissolúvel entre um homem e uma mulher, que não
lhe agrada a sexualidade como fonte de prazer autônoma e que está
disposta a tolerá-la somente como fonte, até agora insubstituível,
de multiplicação dos seres humanos. (FREUD, 1930, p. 68-69)
E agrega um julgamento categórico a essa
moral: “isso, naturalmente, é algo extremo. Sabe-se que demonstrou
ser inexequível mesmo por breves períodos”.
A essa questão, talvez se possa objetar
que a severidade da moral sexual já não é a mesma de 88 anos
atrás. Mas percebemos a permanência desses valores, por exemplo, em
uma recente declaração do Papa: “O corpo humano não é um
instrumento de prazer, mas sim o lugar de nosso chamado ao amor, e no
amor autêntico não há lugar para luxúria” (apud GLASS, 2018).
Na mesma ocasião, o mais importante líder religioso do mundo
afirmou que a forma elementar do matrimônio é o casamento
heterossexual, que respeita a “polaridade masculina e feminina”.
Ou seja, ipsis litteris
a moral denunciada por Freud como inexequível há quase um século.
Não parece casual que essa instituição,
que visa regulamentar do modo mais estrito, repressor e normativo a
vida sexual de seus fiéis, seja a fonte recorrente de casos de abuso
sexual contra crianças, a ponto de o papa ter que assumir e pedir
desculpas publicamente (PIMENTEL, 2018) por milhares e milhares de
casos ao redor do mundo, envolvendo todos os níveis da hierarquia
eclesiástica. É, ao mesmo tempo, uma brutal confirmação da
constatação de Freud sobre a impossibilidade de levar esse programa
adiante, mas também da hipocrisia dessa moral e da conivência de
suas transgressões.
Cabe notar, nesse exemplo, que o retorno do recalcado na forma de
agressão sexual a crianças não é apenas um exemplo de que a norma
“se contorna” de forma hipócrita, mas que ela se torna o
fermentador de uma sexualidade violenta e perversa, que toma um outro
vulnerável como objeto sexual à revelia.
Freud também aponta a necessidade de
reprimir a pulsão de morte dirigida ao outro, ou seja, a
agressividade: “A existência desse pendor à agressão, que
podemos sentir em nós mesmos e justificadamente pressupor nos
demais, é o fator que perturba nossa relação com o próximo e
obriga a civilização a seus grandes dispêndios” (FREUD, 1930, p.
77).
O delicado balanço entre renúncia
pulsional e harmonia social
É simples pressupor que, quanto maiores
forem os ganhos individuais que cada um percebe na vida em sociedade,
tanto mais factível será sua renúncia pulsional em nome da coesão
social. O princípio de realidade dita ao indivíduo, que tem a
segurança de sua existência assegurada pelo grupo, que se esforce
para sobrepujar a satisfação de seu princípio de prazer imediato,
ligado às pulsões sexuais ou agressivas.
Se, portanto, nos encontramos em um momento
de crise social, em que o grupo não se mostra capaz de garantir
nossa existência como antes, a coesão desse tecido e do equilíbrio
dessa renúncia individual em nome do coletivo começa a ser
questionada. Nas palavras de Freud, “(...) as relações mútuas
entre os homens são profundamente influenciadas pela medida de
satisfação dos impulsos possibilitada pelos bens existentes”
(FREUD, 1927, p. 22).
Vivemos em uma sociedade de classes, em que
os bens existentes e, portanto, a possibilidade de satisfação
pulsional é desigual aos indivíduos (sem falar na manipulação das
pulsões e as transformações de “necessidades” que se alteram
de acordo com os padrões sociais existentes). Contudo, momentos de
prosperidade podem garantir o mínimo para que a coesão social se
mantenha, contanto que a percepção de que “a vida vai melhorar”
seja um horizonte constante. Os pais muitas vezes estão dispostos a
maiores e mais duras renúncias se vislumbram a perspectiva de que
seus filhos tenham uma vida com menos renúncias, projetando na
próxima geração uma satisfação da qual abdicam – transferem
para seus filhos, como uma projeção narcísica de si mesmos, a
realização que almejam. Assim, o Brasil manteve um equilíbrio e
uma relativa “paz social” ao longo do último período, e, não à
toa, identificando a gradual melhora de vida à atuação de um líder
carismático – que, como desenvolve Freud, cumpre papel análogo ao
pai na vida psíquica das massas –, com uma expressiva parcela da
população vendo a volta de Lula como perspectiva de saída para a
crise.
Ao falar das renúncias impostas pela vida
em sociedade, Freud diz:
Quanto
às limitações que se aplicam apenas a classes determinadas da
sociedade, nos deparamos com condições graves e também jamais
ignoradas. É de se esperar que essas classes desfavorecidas invejem
as vantagens das privilegiadas e façam de tudo para se livrar de seu
próprio acréscimo de privações. Quando isso não for possível,
uma medida constante de descontentamento se imporá dentro dessa
cultura, o que pode levar a rebeliões perigosas. Se, porém, uma
cultura não conseguiu ir além do ponto de que a satisfação de
certo número de seus membros tenha como pressuposto a opressão de
outros, talvez a maioria – e esse é o caso de todas as culturas
atuais –, é compreensível que esses oprimidos desenvolvam uma
hostilidade intensa contra a cultura que por meio de seu trabalho
eles mesmos possibilitam, mas de cujos bens lhes cabe uma cota muito
pequena. (...) Não é preciso dizer que uma cultura que deixa
insatisfeito um número tão grande de membros e os incita à
rebelião não tem perspectivas de se conservar perpetuamente, nem o
merece. (FREUD, 1927, p. 29-30)
Assim, podemos concluir que, quanto mais
aguçada a crise, e quanto mais os efeitos dela se sintam sobre os
ombros dos mais pobres, maior será o nível de esgarçamento social,
e menor a disposição à renúncia pulsional. Abre-se um cenário de
descontentamento social em que, se não é apresentado nenhum projeto
coletivo e social capaz de projetar uma recompensa a uma renúncia
que é maior a cada dia, haverá uma predisposição maior à
manifestação das pulsões individuais se sobrepondo às renúncias
feitas em nome do coletivo.
Crise social no Brasil e a reorganização
da repressão no jogo político
É nesse contexto que um projeto político
de características muito particulares, e de um discurso muito
distinto do que até então se colocava como o “acordo mínimo”
social, se tornou massivo no Brasil: o “bolsonarismo”. Para
discutí-lo, recorremos a definições que Vladimir Safatle aponta
como características do fascismo (SAFATLE, 2018).
Em primeiro lugar, aponta o “culto à
violência”. Diz ele:
trata-se
de acreditar que a impotência da vida ordinária e da espoliação,
ela vai ser vencida através da força individual, daqueles que,
enfim, teriam o direito de sair armados (...) de falar o que quiser
sem se preocupar com aquilo que eles chamam de ‘ditadura do
politicamente correto’.
Ou seja, frente a uma percepção social de
que a renúncia à agressividade vem sendo paga com a agressão –
por meio de assaltos, desemprego, corrupção estatal ou outro tipo
de violência – o que o líder autoriza é a libertação de minha
agressividade individual. Na livre expressão desta eu posso retomar,
por minhas próprias forças – mas com a legitimação do Estado –
o “meu direito” aviltado. É, na perspectiva civilizacional
colocada por Freud, um claro retrocesso, em que o “direito
individual” se impõe pela força. Como afirma Safatle, “o
fascismo, nesse sentido, oferece uma certa forma de liberdade”;
liberdade de não reprimir minha agressividade pulsional. É a
“liberação da violência por aqueles que não aguentam mais ser
violentados”.
Contudo, a liberação dessa agressão
abrange um escopo que é conjugado com o acréscimo da repressão
sexual ao “desviante”, que terá também uso político. O
discurso e a mobilização afetiva que dão coesão a uma massa, como
aponta Freud, exigem sempre a hostilização de um inimigo, cuja
existência, ao mesmo tempo em que dá o sentido de unidade ao grupo,
é visto como uma ameaça à coesão deste.
Aqui, um discurso repetido à exaustão
transformou em “inimigos” certos grupos sociais. Em primeiro
lugar, cria-se um inimigo responsável pela situação de miséria:
com diversos atores, e vindo desde 2015 sendo elaborado nos distintos
níveis de comunicação de massas – televisões e jornais por um
lado, e redes sociais por outro – se estabeleceu como o culpado por
todos os males o PT, seus governos, seus simpatizantes. A força do
discurso deriva não apenas de sua repetição incessante, mas de
tomar elementos da realidade – os escândalos de corrupção nas
estatais, por exemplo – para se forjar sobre eles uma narrativa
muito mais abrangente que sustenta o ódio, peça fundamental para
dar contornos e coesão ao grupo, cujo propósito passa a ser se opor
aos “petistas” e “esquerdistas”. Aqui, também, é
fundamental a identificação de qualquer membro não pertencente ao
grupo bolsonarista como pertencente ao “outro grupo”. Isso
garante não apenas a coesão do grupo, mas a anulação da validade
do discurso do outro. Essa simplificação da consolidação de um
“nós” versus um “eles” é fundamental para ver os dois
grupos como uma massa homogênea, dando-lhe uma consistência
imaginária – no sentido de Lacan – aumentando a identificação
do grupo ao qual se pertence e a impenetrabilidade a argumentos que
possam interferir em sua coesão. Desta forma, enunciadores tão
díspares quanto Folha de S. Paulo, The Economist, Miriam Leitão,
Francis Fukuyama e até Marine Le Pen são taxados como
“esquerdistas”.
Pelo lado da repressão sexual, o apoio ao
acréscimo da agressividade e a legitimação da violência se baseou
em sólidos tabus, atribuindo ao “outro” tudo o que seja hostil
às normas morais do grupo: da homossexualidade, transgeneridade e
feminismo, à pedofilia e o incesto.
Para tornar mais virulenta a reação, atribui-se ao grupo antagônico
o propósito de “doutrinar as crianças” a se enquadrarem nas
condutas sexuais desviantes, o que os coloca como ameaçadores dos
valores morais – que passam a ser os pilares do mito de uma ordem
capaz de trazer novamente a harmonia e coesão social. A violência
contra esses grupos é legitimada, o que é visto como a proteção
frente à uma “ameaça moral”. O medo das próprias pulsões
sexuais recalcadas também é expresso como ódio, e, assim,
instrumentalizado politicamente.
Sobre isso, Safatle argumenta que “Essa
insensibilidade [em relação à violência com grupos vulneráveis]
expressa um desejo inconfesso de que as estruturas de visibilidade da
vida social não sejam alteradas”, ou seja, que a “gramática do
visível” mantenha de fora, como não reconhecido, não dito,
impossibilitado de existir, todo aquele que foge à norma repressiva
ditada por essa moral. Daí que diga inclusive que qualquer
identidade dissonante é uma “invenção”, como está implicado
no conceito de “ideologia de gênero”; ou que as crianças
tornam-se gays ou trans por serem “doutrinadas”, e não por seu
desejo.
Trata-se, em primeiro lugar, frente à
insegurança do desemprego, da falta de direitos sociais, da
instabilidade social, de dar ao medo a resposta de um “retorno a
um pai protetor”, sob a forma de um líder pretensamente forte,
severo e “incorruptível”; isso responde também ao medo que a
mudança trazida pela “erosão dos valores tradicionais” traz. A
simbologia criada aí gera uma coesão entre o grupo, e uma ilusão
de proteção sob a direção do líder. Garantida a coesão em torno
do medo, e da promessa de redenção frente à situação de
insegurança, a manipulação é muito mais fácil, e sua crença na
agressividade dirigida aos grupos “culpados” pode ser estimulada.
É um jogo com a tendência social paranoica que surge da situação
de instabilidade, mas que é reforçada e instrumentalizada por esse
discurso político no qual a “nossa” identidade ameaçada
encontra um inimigo responsável por sua desagregação, e que deve,
portanto, ser destruído.
Também se vê como “aceitável” abrir
mão da liberdade e da responsabilidade por seu destino diante da
tutela do líder, que tomará as decisões. É uma infantilização
semelhante à descrita por Freud nas religiões. É pela manipulação
dos afetos, muito mais do que por qualquer argumento, que se obtém o
efeito político desejado. Assim, também se obtém o efeito de
“blindagem” contra qualquer argumentação oposta.
Politicamente, o que garante a adesão de
massa a essa ideologia, é a canalização da revolta latente com o
atual estado de coisas. O bolsonarismo não poderia ser criado
artificialmente, e duas pré-condições histórico-sociais são a
base para sua ascensão como “porta-voz” dessa revolta: a crise
econômica e a traição dos que antes eram vistos como os
representantes políticos dessa massa. É no caldo de cultura do ódio
ao PT – ainda que, como apontamos, a figura paterna de Lula se
mantenha fortemente preservada em meio a essa erosão – e da
desagregação do tecido social, do medo, do desemprego, da
violência, que surge essa revolta. E, como aponta Safatle, trata-se
da “colonização do desejo anti-institucional pela própria
ordem”. A revolta contra as instituições de um regime político
no qual a população não se vê representada, paradoxalmente é
capitalizada pela crença de que um governo forte, autoritário e
supostamente “livre e independente” (como dizia a propaganda) vai
restaurar a “ordem” por meio de uma “liderança acima da lei”,
que pode expressar livremente aquilo que não pode ser dito. Aquilo,
também, que “eu queria dizer mas que é vetado pela Lei”.
Assim, como aponta Safatle, é importante
que o líder seja “cômico”, uma “mistura de militar e palhaço
de circo”, pois assim suas proposições podem “circular com
baixa fricção”, como “brincadeiras” (Freud fala, sobre o
chiste, que mensagens que não seriam toleradas pela censura podem
circular sob a proteção da “piada”). Mas “o que é real e o
que é bravata” fica a critério de cada um: se eu for gay, posso
dizer que sua homofobia é “bravata”. Mas só o líder sabe até
onde está disposto a concretizar seu discurso – ainda que, é
claro, isso dependa de outros poderes reais que estão em jogo.
Desde que a primeira versão deste trabalho
foi escrita, ainda antes da eleição de Bolsonaro, diversos eventos
corroboraram sua perspectiva. Entre os muitos casos, podemos citar o
da empresária Elaine Perez Caparroz, de 55 anos, que foi espancada
por quatro horas por Vinícius Batista Serra, de 27 anos, após um
encontro que marcaram pela internet. O agressor diz ter tido um
“surto” e não se lembrar do ocorrido (LEMOS; BARBON, 2019). O
caso é uma expressão que ganhou visibilidade de um processo de
aumento da violência misógina cujo alcance ainda está por se ver.
Na primeira semana de 2019 foram registrados 21 feminicídios e 11
tentativas (PINA, 2019); até o dia 4 de fevereiro, eram 126 mortes e
67 tentativas registradas (BOND, 2019). Outro exemplo de “liberação”
dessas pulsões agressivas legitimadas pelas mudanças sociais é o
massacre na escola de Suzano com 10 vítimas fatais até o momento.
Após o fato, diversos outros casos de jovens planejando ações
semelhantes vieram à tona: em Pontalina (GO) (ADOLESCENTE, 2019),
Bom Jesus de Goiás (GO) (CAVALCANTI, 2019), Porto Alegre (RS)
(GROSS, 2019), Rio de Janeiro (RJ) (JOVEM, 2019) e Nova Iguaçu (RJ)
(MAGALHÃES, 2019) são alguns exemplos. Confome apontou o
psicanalista Christian Dunker em entrevista após o atentado em
Suzano, há
(...)
uma mutação do discurso dominante sobre o que é a violência, e o
que é a violência “aceitável”, “compreensível” ou
“justificável” dentro da sociedade brasileira. Isso altera a
nossa realidade psíquica. E essa mutação promete ser muito
nefasta, carregando, inclusive, um sentimento de escalada: a
violência vem aumentando, num ritmo acelerado e errático. (SAYURI,
2019)
Sintetizando, no cenário atual a crise das
estruturas sociais abre espaço à emergência de novas perspectivas
de laço social, e o projeto político de extrema-direita de
Bolsonaro vem se mostrando apto a instrumentalizar a revolta social e
a agressividade para fortalecer sua figura de líder autoritário
(pai) capaz de “apontar uma saída”. Contudo, as já evidentes
dissensões em seu bloco político colocam uma dúvida sobre a
perspectiva de que seja capaz se manter nesse lugar simbólico.
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Acessado em 2/11/18.
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